Transtornos da Personalidade

Este capítulo inicia-se com uma definição geral de transtorno da personalidade que se aplica a cada um dos 10 transtornos da personalidade específicos. Um transtorno da personalidade é um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é difuso e inflexível, começa na adolescência ou no início da fase adulta, é estável ao longo do tempo e leva a sofrimento ou prejuízo.

Em qualquer processo de revisão em curso, especialmente em um processo de tal complexidade, surgem diferentes pontos de vista, e fez-se um esforço para combinar todos. Assim, transtornos da personalidade são inclusos tanto na Seção II quanto na Seção III deste Manual. O material na Seção II representa uma atualização do texto associado aos mesmos critérios encontrados no DSM- -IV-TR, ao passo que a Seção III inclui o modelo de pesquisa proposto para o diagnóstico e a conceitualização de transtorno da personalidade desenvolvido pelo Grupo de Trabalho da Personalidade e Transtornos da Personalidade do DSM-5. Visto que se trata de um campo que evolui, espera-se que as duas versões sirvam à prática clínica e às iniciativas de pesquisa, respectivamente.

Os seguintes transtornos da personalidade estão inclusos neste capítulo:

  • Transtorno da personalidade paranoide é um padrão de desconfiança e de suspeita tamanhas que as motivações dos outros são interpretadas como malévolas.
  • Transtorno da personalidade esquizoide é um padrão de distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão emocional.
  • Transtorno da personalidade esquizotípica é um padrão de desconforto agudo nas relações íntimas, distorções cognitivas ou perceptivas e excentricidades do comportamento.
  • Transtorno da personalidade antissocial é um padrão de desrespeito e violação dos direitos dos outros.
  • Transtorno da personalidade borderline é um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, com impulsividade acentuada.
  • Transtorno da personalidade histriônica é um padrão de emocionalidade e busca de atenção em excesso.
  • Transtorno da personalidade narcisista é um padrão de grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia.
  • Transtorno da personalidade evitativa é um padrão de inibição social, sentimentos de inadequação e hipersensibilidade a avaliação negativa.
  • Transtorno da personalidade dependente é um padrão de comportamento submisso e apegado relacionado a uma necessidade excessiva de ser cuidado.
  • Transtorno da personalidade obsessivo-compulsiva é um padrão de preocupação com ordem, perfeccionismo e controle.
  • Mudança de personalidade devido a outra condição médica é uma perturbação persistente da personalidade entendida como decorrente dos efeitos fisiológicos diretos de uma condição médica (p. ex., lesão no lobo frontal).
  • Outro transtorno da personalidade especificado e transtorno da personalidade não especificado são categorias utilizadas para duas situações: 1) o padrão da personalidade do indivíduo atende aos critérios gerais para um transtorno da personalidade, estando presentes traços de vários transtornos da personalidade distintos, mas os critérios para qualquer um desses transtornos específicos não são preenchidos; ou 2) o padrão da personalidade do indivíduo atende aos critérios gerais para um transtorno da personalidade, mas considera-se que ele tenha um transtorno da personalidade que não faz parte da classificação do DSM-5 (p. ex., transtorno da personalidade passivo-agressiva).

Os transtornos da personalidade estão reunidos em três grupos, com base em semelhanças descritivas. O Grupo A inclui os transtornos da personalidade paranoide, esquizoide e esquizotípica. Indivíduos com esses transtornos frequentemente parecem esquisitos ou excêntricos. O Grupo B inclui os transtornos da personalidade antissocial, borderline, histriônica e narcisista. Indivíduos com esses transtornos costumam parecem dramáticos, emotivos ou erráticos. O Grupo C inclui os transtornos da personalidade evitativa, dependente e obsessivo-compulsiva. Indivíduos com esses transtornos com frequência parecem ansiosos ou medrosos. Deve-se observar que esse sistema de agrupamento, embora útil em algumas pesquisas e situações educacionais, apresenta sérias limitações e não foi consistentemente validado.

Além disso, é frequente as pessoas apresentarem transtornos da personalidade de grupos diferentes concomitantemente. Estimativas de prevalência para os diferentes grupos sugerem 5,7% para os transtornos do Grupo A, 1,5% para os do Grupo B e 6% para os do Grupo C, com 9,1% para qualquer transtorno da personalidade, indicando concomitância frequente de transtornos de grupos diferentes. Dados do National Epidemiologic Survey on Alcohol and Related Conditions de 2001-2002 sugerem que cerca de 15% dos adultos dos Estados Unidos apresentam pelo menos um transtorno da personalidade.

Modelos Dimensionais para os Transtornos da Personalidade

A abordagem diagnóstica empregada neste Manual representa a perspectiva categórica de que os transtornos da personalidade são síndromes clínicas qualitativamente distintas. Uma alternativa a essa abordagem categórica é a perspectiva dimensional de que os transtornos da personalidade representam variantes mal-adaptativas de traços de personalidade que se fundem imperceptivelmente com a normalidade e entre si. Ver a Seção III para uma descrição completa de um modelo dimensional para transtornos da personalidade. Os grupos de transtornos da personalidade do DSM-IV (i.e., esquisito-excêntrica, dramático-emotivo e ansioso-medroso) podem também ser entendidos como dimensões que representam um espectro de disfunção da personalidade dentro de um continuum com outros transtornos mentais. Os modelos dimensionais alternativos têm muito em comum e, juntos, parecem cobrir as áreas importantes de disfunção da personalidade. Sua integração, sua utilidade clínica e sua relação com as categorias diagnósticas de transtornos da personalidade e com vários aspectos de disfunção da personalidade estão sob investigação ativa.

Transtorno da Personalidade

Critérios

  • Um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo. Esse padrão manifesta-se em duas (ou mais) das seguintes áreas:
    Cognição (i.e., formas de perceber e interpretar a si mesmo, outras pessoas e eventos).
    2. Afetividade (i.e., variação, intensidade, labilidade e adequação da resposta emocional).
    3. Funcionamento interpessoal.
    4. Controle de impulsos.
  • O padrão persistente é inflexível e abrange uma faixa ampla de situações pessoais e sociais.
  • O padrão persistente provoca sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
  • O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta.
  • O padrão persistente não é mais bem explicado como uma manifestação ou consequência de outro transtorno mental.
  • O padrão persistente não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (p. ex., traumatismo craniencefálico).

Características Diagnósticas

Traços de personalidade são padrões persistentes de percepção, de relacionamento com e de pensamento sobre o ambiente e si mesmo que são exibidos em uma ampla gama de contextos sociais e pessoais. Os traços de personalidade constituem transtornos da personalidade somente quando são inflexíveis e mal-adaptativos e causam prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativos. O aspecto essencial de um transtorno da personalidade é um padrão persistente de experiência interna e comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo e que se manifesta em pelo menos duas das seguintes áreas: cognição, afetividade, funcionamento interpessoal ou controle de impulsos (Critério A). Esse padrão persistente é inflexível e abrange uma ampla faixa de situações pessoais e sociais (Critério B), provocando sofrimento clinicamente significativo e prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo (Critério C). O padrão é estável e de longa duração, e seu surgimento ocorre pelo menos a partir da adolescência ou do início da fase adulta (Critério D). O padrão não é mais bem explicado como uma manifestação ou consequência de outro transtorno mental (Critério E) e não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento, exposição a uma toxina) ou a outra condição médica (p. ex., traumatismo craniencefálico) (Critério F). São descritos também critérios diagnósticos específicos para cada um dos transtornos da personalidade inclusos neste capítulo.

O diagnóstico de transtornos da personalidade exige avaliação dos padrões de funcionamento de longo prazo do indivíduo, e as características particulares da personalidade devem estar evidentes no começo da fase adulta. Os traços de personalidade que definem esses transtornos devem também ser diferenciados das características que surgem em resposta a estressores situacionais específicos ou estados mentais mais transitórios (p. ex., transtornos bipolar, depressivo ou de ansiedade; intoxicação por substância). O clínico deve avaliar a estabilidade dos traços de personalidade ao longo do tempo e em diversas situações. Embora uma única entrevista com o indivíduo seja algumas vezes suficiente para fazer o diagnóstico, é frequentemente necessário realizar mais de uma entrevista e espaçá-las ao longo do tempo. A avaliação pode ainda ser complicada pelo fato de que as características que definem um transtorno da personalidade podem não ser consideradas problemáticas pelo indivíduo (i.e., os traços são com frequência egossintônicos). Para ajudar a superar essa dificuldade, informações suplementares oferecidas por outros informantes podem ser úteis.

Desenvolvimento e Curso

As características de um transtorno da personalidade costumam se tornar reconhecíveis durante a adolescência ou no começo da vida adulta. Por definição, um transtorno da personalidade é um padrão persistente de pensamento, sentimento e comportamento que é relativamente estável ao longo do tempo. Alguns tipos de transtorno da personalidade (notadamente os transtornos da personalidade antissocial e borderline) tendem a ficar menos evidentes ou a desaparecer com o envelhecimento, o que parece não valer para alguns outros tipos (p. ex., transtornos da personalidade obsessivo-compulsiva e esquizotípica).

As categorias dos transtornos da personalidade podem ser aplicadas em crianças ou adolescentes naqueles casos relativamente raros em que os traços mal-adaptativos e particulares da personalidade do indivíduo parecem ser difusos, persistentes e pouco prováveis de serem limitados a um determinado estágio do desenvolvimento ou a outro transtorno mental específico. Deve-se reconhecer que os traços de um transtorno da personalidade que aparecem na infância com frequência não persistem sem mudanças na vida adulta. Para que um transtorno da personalidade seja diagnosticado em um indivíduo com menos de 18 anos de idade, as características precisam ter estado presentes por pelo menos um ano. A única exceção é o transtorno da personalidade antissocial, que não pode ser diagnosticado em indivíduos com menos de 18 anos. Embora, por definição, um transtorno da personalidade exija um surgimento até o começo da vida adulta, as pessoas podem não buscar atendimento clínico até um período relativamente tardio na vida. Um transtorno da personalidade pode ser exacerbado após a perda de pessoas significativas (p. ex., cônjuge) ou de situações sociais previamente estabilizantes (p. ex., um emprego). Entretanto, o desenvolvimento de uma mudança na personalidade no meio da vida adulta ou mais tarde requer uma avaliação completa para determinar a possível presença de uma mudança de personalidade devido a outra condição médica ou a um transtorno por uso de substância não reconhecido.

Questões Diagnósticas Relativas à Cultura

Juízos acerca do funcionamento da personalidade devem levar em conta os antecedentes étnicos, culturais e sociais do indivíduo. Os transtornos da personalidade não devem ser confundidos com problemas associados à aculturação após imigração ou à expressão de hábitos, costumes ou valores religiosos e políticos professados pela cultura de origem do indivíduo. É útil para o clínico, especialmente ao avaliar alguém com origem diferente da sua, obter mais informações com pessoas que conheçam os antecedentes culturais do indivíduo.

Questões Diagnósticas Relativas ao Gênero

Alguns transtornos da personalidade (p. ex., transtorno da personalidade antissocial) são diagnosticados com maior frequência em indivíduos do sexo masculino. Outros (p. ex., transtornos da personalidade borderline, histriônica e dependente) são diagnosticados mais frequentemente em indivíduos do sexo feminino. Embora essas diferenças na prevalência provavelmente reflitam diferenças reais de gênero quanto à presença de tais padrões, os clínicos devem ter cautela para não superdiagnosticar ou subdiagnosticar alguns transtornos da personalidade em mulheres ou homens devido a estereótipos sociais acerca de papéis e comportamentos típicos de gênero.

Diagnóstico Diferencial

Outros transtornos mentais e traços de personalidade: Muitos dos critérios específicos para transtornos da personalidade descrevem aspectos (p. ex., desconfiança, dependência, insensibilidade) que também caracterizam episódios de outros transtornos mentais. Um transtorno da personalidade deve ser diagnosticado apenas quando as características definidoras tenham surgido antes do começo da vida adulta, sejam típicas do funcionamento de longo prazo do indivíduo e não ocorram exclusivamente durante um episódio de outro transtorno mental. Pode ser particularmente difícil (e não particularmente útil) distinguir transtornos da personalidade de transtornos mentais persistentes, como um transtorno depressivo persistente com início precoce e curso duradouro e relativamente estável. Alguns transtornos da personalidade podem ter uma relação de “espectro” com outros transtornos mentais (p. ex., transtorno da personalidade esquizotípica com esquizofrenia; transtorno da personalidade evitativa com transtorno de ansiedade social [fobia social]) com base em semelhanças fenomenológicas ou biológicas ou agregação familiar.

Transtornos da personalidade devem ser distinguidos de traços de personalidade que não atingem o limiar para um transtorno da personalidade. Traços de personalidade são diagnosticados como um transtorno da personalidade apenas quando são inflexíveis, mal-adaptativos e persistentes e causam prejuízo funcional ou sofrimento subjetivo significativos.

Transtornos psicóticos: Para os três transtornos da personalidade que podem ter relação com os transtornos psicóticos (i.e., paranoide, esquizoide e esquizotípica), existe um critério de exclusão que diz que o padrão comportamental não deve ter ocorrido exclusivamente durante o curso de esquizofrenia, transtorno bipolar ou depressivo com sintomas psicóticos ou outro transtorno psicótico. Quando um indivíduo tem um transtorno mental persistente (p. ex., esquizofrenia) que foi precedido por um transtorno da personalidade preexistente, o transtorno da personalidade deve ser também registrado, seguido de “pré-mórbido” entre parênteses.

Transtornos de ansiedade e depressivo: O clínico deve ter cautela ao diagnosticar transtornos da personalidade durante um episódio de transtorno depressivo ou de ansiedade, visto que essas condições podem apresentar sintomas cruzados que imitam traços de personalidade e podem dificultar a avaliação retrospectiva dos padrões de funcionamento de longo prazo do indivíduo.

Transtorno de estresse pós-traumático: Quando mudanças de personalidade emergem e persistem após um indivíduo ser exposto a estresse extremo, um diagnóstico de transtorno de estresse pós-traumático deve ser considerado.

Transtornos por uso de substância: Quando um indivíduo tem um transtorno por uso de substância, é importante não fazer um diagnóstico de transtorno da personalidade unicamente com base em comportamentos que sejam consequências de intoxicação ou abstinência da substância ou que estejam associados a atividades a serviço do uso continuado da substância (p. ex., comportamento antissocial).

Mudança de personalidade devido a outra condição médica: Quando surgem mudanças persistentes de personalidade em consequência dos efeitos fisiológicos de outra condição médica (p. ex., tumor cerebral), um diagnóstico de mudança de personalidade em razão de outra condição médica deve ser considerado.

Fonte: DSM-V
O texto acima possui caráter exclusivamente informativo. Jamais empreenda qualquer tipo de tratamento ou se automedique sem a orientação de um especialista.

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