Transtorno de Sintomas Somáticos

Critérios Diagnósticos 300.82 (F45.1)

  • Um ou mais sintomas somáticos que causam aflição ou resultam em perturbação significativa da vida diária. B. Pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos relacionados aos sintomas somáticos ou associados a preocupações com a saúde manifestados por pelo menos um dos seguintes:
  • Pensamentos desproporcionais e persistentes acerca da gravidade dos próprios sintomas.
  • Nível de ansiedade persistentemente elevado acerca da saúde e dos sintomas.
  • Tempo e energia excessivos dedicados a esses sintomas ou a preocupações a respeito da saúde.
  • Embora algum dos sintomas somáticos possa não estar continuamente presente, a condição de estar sintomático é persistente (em geral mais de seis meses).

Especificar se:

Com dor predominante (anteriormente transtorno doloroso): Este especificador é para indivíduos cujos sintomas somáticos envolvem predominantemente dor.

Especificar se:

Persistente: Um curso persistente é caracterizado por sintomas graves, prejuízo marcante e longa duração (mais de seis meses).

Especificar a gravidade atual:

  1. Leve: Apenas um dos sintomas especificados no Critério B é satisfeito.
  2. Moderada: Dois ou mais sintomas especificados no Critério B são satisfeitos.
  3. Grave: Dois ou mais sintomas especificados no Critério B são satisfeitos, além da presença de múltiplas queixas somáticas (ou um sintoma somático muito grave).

Características Diagnósticas

Indivíduos com transtorno de sintomas somáticos geralmente apresentam sintomas somáticos múltiplos e atuais que provocam sofrimento ou resultam em perturbação significativa da vida diária (Critério A), embora às vezes apenas um sintoma grave, mais comumente dor, esteja presente. Os sintomas podem ser específicos (p. ex., dor localizada) ou relativamente inespecíficos (p. ex., fadiga). Por vezes representam sensações ou desconfortos corporais normais que geralmente não significam doença grave. Sintomas somáticos sem uma explicação médica evidente não são suficientes para fazer esse diagnóstico. O sofrimento do indivíduo é autêntico, seja ou não explicado em termos médicos.

Os sintomas podem ou não estar associados a uma outra condição médica. Os diagnósticos de transtorno de sintomas somáticos e uma doença médica concomitante não são mutuamente excludentes e com frequência ocorrem em conjunto. Por exemplo, um indivíduo pode tornar-se gravemente incapacitado por sintomas do transtorno de sintomas somáticos depois de um infarto do miocárdio sem complicações mesmo se o infarto em si não resultar em nenhuma incapacidade. Se outra condição médica ou o alto risco de desenvolver uma estiver presente (p. ex., forte história familiar), os pensamentos, sentimentos e comportamentos associados a essa condição são excessivos (Critério B).

Indivíduos com transtorno de sintomas somáticos tendem a manifestar níveis muito elevados de preocupação a respeito de doenças (Critério B). Eles avaliam seus sintomas corporais como indevidamente ameaçadores, nocivos ou problemáticos e com frequência pensam o pior a respeito da própria saúde. Mesmo quando há evidência do contrário, alguns pacientes ainda temem a gravidade médica de seus sintomas. No transtorno de sintomas somáticos grave, as preocupações acerca da saúde podem assumir um papel central na vida do indivíduo, tornando- -se um traço da sua identidade e dominando as relações interpessoais.

Os indivíduos geralmente sentem angústia, a qual é sobretudo focada em sintomas somáticos e em seu significado. Quando questionados diretamente a respeito de seu sofrimento, alguns o descrevem como associado a outros aspectos de suas vidas, enquanto outros negam qualquer fonte de sofrimento que não os sintomas somáticos. A qualidade de vida relacionada à saúde é com frequência prejudicada, tanto física quanto mentalmente. No transtorno de sintomas somáticos grave, o prejuízo é marcante e, quando persistente, pode levar à invalidez.

Há, com frequência, alto nível de utilização de serviços médicos, o que raramente alivia as preocupações do indivíduo. Consequentemente, o paciente pode acabar buscando múltiplos médicos para os mesmos sintomas. Esses indivíduos muitas vezes parecem não responder a intervenções médicas, e novas intervenções podem apenas exacerbar os sintomas presentes. Algumas pessoas com o transtorno parecem incomumente sensíveis aos efeitos colaterais de medicamentos; outras sentem que a avaliação e o tratamento médico foram inadequados.

Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico

Aspectos cognitivos incluem atenção focada em sintomas somáticos, atribuição de sensações corporais normais a doenças físicas (possivelmente com interpretações catastróficas), preocupação a respeito de doenças e medo de que qualquer atividade física possa prejudicar o corpo. Os aspectos comportamentais associados relevantes podem incluir verificações repetidas do corpo à procura de anormalidades, busca reiterada de ajuda e de garantias médicas e evitação de atividades físicas. Esses aspectos comportamentais são mais proeminentes no transtorno de sintomas somáticos grave persistente e geralmente estão associados a pedidos frequentes de ajuda médica para tratar diferentes sintomas somáticos, o que pode levar a consultas médicas nas quais os indivíduos estão tão concentrados em suas preocupações acerca do(s) sintoma(s) somático(s) que não é possível redirecioná-los para outros assuntos. Qualquer garantia recebida do médico no sentido de que os sintomas não são indicativos de doença física grave tende a ser fugaz e/ou é sentida pelos indivíduos como se o médico não estivesse levando a sério seus sintomas. Como o foco em sintomas somáticos é um aspecto essencial do transtorno, indivíduos com transtorno de sintomas somáticos apresentam-se normalmente a serviços de saúde geral em vez de a serviços de saúde mental. A sugestão de encaminhamento a um especialista em saúde mental pode ser recebida com surpresa ou até mesmo recusa franca por indivíduos com o transtorno.

Visto que o transtorno de sintomas somáticos está associado a transtornos depressivos, existe um risco maior de suicídio. Não se sabe se o transtorno de sintomas somáticos está associado ao risco de suicídio independentemente da sua associação com transtornos depressivos.

Prevalência

A prevalência do transtorno de sintomas somáticos é desconhecida. Entretanto, estima-se que sua prevalência seja maior do que a do transtorno de somatização mais restritivo do DSM-IV (< 1%), porém inferior à do transtorno somatoforme indiferenciado (aproximadamente 19%). A prevalência do transtorno de sintomas somáticos na população adulta em geral pode ser em torno de 5 a 7%.

Pessoas do sexo feminino tendem a relatar mais sintomas somáticos do que as do sexo masculino e, por conseguinte, é provável que a prevalência do transtorno de sintomas somáticos seja maior nelas.

Desenvolvimento e Curso

Em indivíduos mais velhos, sintomas somáticos e doenças médicas concomitantes são comuns, e um foco no Critério B é crucial para se fazer o diagnóstico. O transtorno de sintomas somáticos pode ser subdiagnosticado em adultos mais velhos tanto porque certos sintomas somáticos (p. ex., dor, fadiga) são considerados parte do envelhecimento normal quanto porque a preocupação com a saúde é considerada “compreensível” em adultos mais velhos, que sofrem mais de doenças médicas gerais e usam mais medicações do que pessoas mais jovens. O transtorno depressivo concomitante é comum em pessoas mais velhas que se apresentam com diversos sintomas somáticos.

Em crianças, os sintomas mais comuns são dor abdominal recorrente, cefaleia, fadiga e náusea. A presença de um único sintoma proeminente é mais comum em crianças do que em adultos. Se, por um lado, crianças pequenas podem apresentar queixas somáticas, por outro, elas raramente se preocupam com uma “doença” em si antes da adolescência. A resposta dos pais ao sintoma é importante, já que pode determinar o nível de sofrimento associado. É o pai/a mãe quem pode determinar a interpretação dos sintomas e o tempo de ausência da escola e de busca por ajuda médica.

Fatores de Risco e Prognóstico

Temperamentais: O traço de personalidade afetividade negativa (neuroticismo) foi identificado como um fator correlacionado/de risco independente para muitos sintomas somáticos. Ansiedade ou depressão comórbida é um aspecto comum e pode exacerbar os sintomas e a incapacidade.

Ambientais: O transtorno de sintomas somáticos é mais frequente em indivíduos com poucos anos de instrução e baixo nível socioeconômico e nos que tenham sofrido recentemente eventos estressantes na vida.

Modificadores do curso: Sintomas somáticos persistentes estão associados a aspectos demográficos (sexo feminino, idade mais avançada, menos anos de instrução, baixo nível socioeconômico, desemprego), história relatada de abuso sexual ou outra adversidade na infância, doença psiquiátrica crônica ou transtorno psiquiátrico concomitante (depressão, ansiedade, transtorno depressivo persistente [distimia], pânico), estresse social e fatores sociais reforçadores como benefícios obtidos com a doença. Fatores cognitivos que afetam o curso clínico incluem sensibilidade à dor, atenção elevada a sensações corporais e atribuição de sintomas corporais a uma possível doença médica em vez de reconhecê-los como um fenômeno normal ou estresse psicológico.

Questões Diagnósticas Relativas à Cultura

Sintomas somáticos são proeminentes em várias “síndromes ligadas à cultura”. Muitos sintomas somáticos são encontrados em estudos populacionais e de atendimento primário no mundo inteiro, com um padrão similar de sintomas somáticos mais comumente relatados, prejuízo e busca por tratamento. A relação entre o número de sintomas somáticos e preocupação com doença é semelhante em culturas diferentes, e a preocupação marcante com doença está associada a prejuízo e mais busca de tratamento em todas as culturas. A relação entre numerosos sintomas somáticos e depressão parece ser bastante semelhante no mundo inteiro e entre diferentes culturas em um mesmo país.

A despeito dessas similaridades, existem diferenças em sintomas somáticos entre culturas e grupos étnicos. A descrição de tais sintomas varia de acordo com fatores linguísticos e outros fatores culturais locais. As apresentações somáticas foram descritas como “idiomas de sofrimento” porque sintomas somáticos podem ter significados especiais e moldar as interações médico- -paciente em contextos culturais particulares. “Esgotamento”, a sensação de peso ou as queixas de “gases”; excesso de calor corporal; ou queimação na cabeça são exemplos de sintomas comuns em algumas culturas ou grupos étnicos, porém raros em outros. Os modelos explanatórios também podem variar, e sintomas somáticos podem ser atribuídos de maneira diversa a estresses familiares, ocupacionais ou ambientais específicos; doença médica geral; supressão de sentimentos de raiva ou ressentimento; ou determinados fenômenos culturais específicos, como perda de sêmen. Pode haver também diferenças na busca por tratamento médico entre grupos culturais, além de diferenças associadas ao acesso variável a serviços de saúde. A busca por tratamento para múltiplos sintomas somáticos em clínicas médicas gerais é um fenômeno mundial e ocorre em taxas semelhantes entre grupos étnicos em um mesmo país.

Consequências Funcionais do Transtorno de Sintomas Somáticos

O transtorno está associado a comprometimento marcante do estado de saúde. Muitas pessoas com transtorno de sintomas somáticos grave tendem a ter pontuações de estado de saúde comprometido mais de dois desvios-padrão abaixo do padrão da população.

Diagnóstico Diferencial

Se os sintomas somáticos são compatíveis com um outro transtorno mental (p. ex., transtorno de pânico), e os critérios diagnósticos para tal transtorno são satisfeitos, então esse transtorno mental deverá ser considerado como um diagnóstico alternativo ou adicional. Um diagnóstico separado de transtorno de sintomas somáticos não é feito se os sintomas somáticos e os pensamentos, sentimentos ou comportamentos relacionados ocorrem apenas durante episódios depressivos maiores. Se, como ocorre comumente, os critérios tanto para transtorno de sintomas somáticos e outro diagnóstico de transtorno mental forem satisfeitos, então ambos deverão ser codificados, já que ambos necessitam de tratamento.

Outras condições médicas: A presença de sintomas somáticos de etiologia incerta não é, em si, suficiente para justificar um diagnóstico de transtorno de sintomas somáticos. Os sintomas de muitas pessoas com transtornos como síndrome do colo irritável ou fibromialgia não satisfariam o critério necessário para diagnosticar transtorno de sintomas somáticos (Critério B). Por sua vez, a presença de sintomas somáticos de um distúrbio médico estabelecido (p. ex., diabetes ou doença cardíaca) não exclui o diagnóstico de transtorno de sintomas somáticos se os critérios forem satisfeitos.

Transtorno de pânico: No transtorno de pânico, os sintomas somáticos e a ansiedade a respeito da saúde tendem a ocorrer em episódios agudos, enquanto no transtorno de sintomas somáticos sintomas de ansiedade e somáticos são mais persistentes.

Transtorno de ansiedade generalizada: Indivíduos com transtorno de ansiedade generalizada preocupam-se com múltiplos eventos, situações ou atividades, apenas uma das quais pode envolver a própria saúde. O foco principal geralmente não está em sintomas somáticos ou no medo de doença, como no transtorno de sintomas somáticos.

Transtornos depressivos: Transtornos depressivos são comumente acompanhados por sintomas somáticos. Entretanto, são diferenciados do transtorno de sintomas somáticos pela sintomatologia depressiva central de humor deprimido (disfórico) e anedonia.

Transtorno de ansiedade de doença: Se o indivíduo tiver preocupações extensas a respeito da saúde, porém nenhum sintoma somático ou apenas sintomas somáticos mínimos, pode ser mais apropriado considerar o transtorno de ansiedade de doença.

Transtorno conversivo (transtorno de sintomas neurológicos funcionais): No transtorno conversivo, o sintoma inicial é a perda de função (p. ex., de um membro), enquanto no transtorno de sintomas somáticos o foco é no sofrimento que os sintomas específicos causam. Os aspectos listados no Critério B de transtorno de sintomas somáticos podem ser úteis para diferenciar os dois transtornos.

Transtorno delirante: No transtorno de sintomas somáticos, as crenças do indivíduo de que os sintomas somáticos podem refletir uma doença física subjacente grave não são mantidas com intensidade delirante. Contudo, suas crenças a respeito dos sintomas somáticos podem ser mantidas fortemente. Por sua vez, no transtorno delirante do tipo somático, crenças e comportamentos associados aos sintomas somáticos são mais fortes do que os encontrados no transtorno de sintomas somáticos.

Transtorno dismórfico corporal: No transtorno dismórfico corporal, o indivíduo é excessivamente envolvido e preocupado com um defeito percebido em suas características físicas. Por sua vez, no transtorno de sintomas somáticos, a preocupação a respeito dos sintomas somáticos reflete o medo de uma doença subjacente, e não de um defeito na aparência.

Transtorno obsessivo-compulsivo: No transtorno de sintomas somáticos, as ideias recorrentes a respeito de sintomas somáticos e doenças são menos intrusivas, e os indivíduos com esse transtorno não exibem os comportamentos repetitivos associados que buscam reduzir a ansiedade que ocorrem no transtorno obsessivo-compulsivo.

Comorbidade

O transtorno de sintomas somáticos está associado a taxas elevadas de comorbidade com doenças médicas, bem como a transtornos de ansiedade e depressivos. Quando uma doença médica concomitante está presente, o grau de prejuízo é mais marcante do que seria esperado da doença física apenas. Quando os sintomas de um indivíduo satisfazem os critérios diagnósticos de transtorno de sintomas somáticos, o transtorno deve ser diagnosticado; entretanto, em vista da frequente comorbidade, especialmemte com transtornos de ansiedade e depressivos, evidências desses diagnósticos concomitantes devem ser pesquisadas.

Fale conosco!
Fale Conosco!
Escanear o código
Oi, tudo bem?? Posso ajudar com alguma duvida?