Critérios Diagnósticos

  • Presença de experiências persistentes ou recorrentes de despersonalização, desrealização ou ambas:
  • Despersonalização: Experiências de irrealidade, distanciamento ou de ser um observador externo dos próprios pensamentos, sentimentos, sensações, corpo ou ações (p. ex., alterações da percepção, senso distorcido do tempo, sensação de irrealidade ou senso de si mesmo irreal ou ausente, anestesia emocional e/ou física).
  • Desrealização: Experiências de irrealidade ou distanciamento em relação ao ambiente ao redor (p. ex., indivíduos ou objetos são vivenciados como irreais, oníricos, nebulosos, inertes ou visualmente distorcidos).
  • Durante as experiências de despersonalização ou desrealização, o teste de realidade permanece intacto.
  • Os sintomas causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.
  • A perturbação não é atribuível aos efeitos fisiológicos de uma substância (p. ex., droga de abuso, medicamento) ou a outra condição médica (p. ex., convulsões).
  • A perturbação não é mais bem explicada por outro transtorno mental, como esquizofrenia, transtorno de pânico, transtorno depressivo maior, transtorno de estresse agudo, transtorno de estresse pós-traumático ou outro transtorno dissociativo.

Características Diagnósticas

Os aspectos essenciais do transtorno de despersonalização/desrealização são episódios persistentes ou recorrentes de despersonalização, desrealização ou ambas. Episódios de despersonalização são caracterizados por um sentimento de irrealidade ou distanciamento ou estranhamento de si mesmo como um todo ou de aspectos de si mesmo (Critério A1). O indivíduo pode sentir-se distanciado de seu próprio ser como um todo (p. ex., “Não sou ninguém”, “Não tenho identidade”). Essa pessoa pode também sentir-se subjetivamente distanciada de aspectos de si memo, incluindo sentimentos (p. ex., hipoemotividade: “Sei que tenho sentimentos, mas não consigo senti-los”), pensamentos (p. ex., “Meus pensamentos não parecem meus”, “cabeça vazia”), o corpo inteiro ou partes do corpo, ou sensações (p. ex., toque, propriocepção, fome, sede, libido). Pode haver também sensação de perda de domínio das próprias ações (p. ex., sentir-se como um robô, autômato; perda de controle da fala e dos movimentos). A experiência de despersonalização pode, às vezes, envolver uma cisão no senso de si mesmo, com uma parte observando e outra participando, fenômeno conhecido como “experiência extracorpórea” em sua forma mais extrema. O sintoma unitário de “despersonalização” consiste em diversos fatores sintomáticos: experiências corporais anômalas (i.e., irrealidade de si mesmo e alterações perceptuais); anestesia emocional ou física; e distorções temporais com recordação subjetiva alterada.

Episódios de desrealização são caracterizados por um sentimento de irrealidade ou distanciamento ou estranhamento do mundo como um todo: indivíduos, objetos inanimados ou o meio (Critério A2). O indivíduo pode sentir como se estivesse entre nuvens, em um sonho ou em uma bolha, ou como se houvesse um véu ou um vidro entre ele e o mundo ao redor. O meio pode ser vivenciado como artificial, incolor ou inerte. A desrealização é comumente acompanhada por distorções visuais subjetivas, como visão embaçada, acuidade visual aumentada, campo visual ampliado ou estreitado, dupla dimensionalidade ou achatamento, tridimensionalidade exagerada ou alteração da distância ou do tamanho de objetos (i.e., macropsia ou micropsia). Distorções auditivas também podem ocorrer, nas quais vozes ou sons são mudos ou mais intensos do que de fato são. Além disso, o Critério C requer a presença de sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do invidíduo, e os Critérios D e E descrevem diagnósticos de exclusão.

Características Associadas que Apoiam o Diagnóstico

Indivíduos com transtorno de despersonalização/desrealização podem ter dificuldade em descrever seus sintomas e podem achar que estão “loucos” ou “enlouquecendo”. Outra experiência comum é o medo de dano cerebral irreversível. Um sintoma que costuma estar associado é um sentido de tempo subjetivamente alterado (i.e., rápido ou lento demais), bem como dificuldade subjetiva em recordar vividamente memórias passadas e considerá-las pessoais e emocionais. Sintomas somáticos vagos, como pressão na cabeça, formigamento ou atordoamento, não são incomuns. Os indivíduos podem sofrer de ruminação extrema ou preocupação obsessiva (p. ex., constantemente obcecado com a dúvida de se realmente existe ou verificando suas percepções para determinar se parecem reais). Graus variados de ansiedade e depressão também são aspectos associados comuns. Observou-se que indivíduos com esse transtorno têm hiporreatividade fisiológica a estímulos emocionais. Substratos neurais de interesse incluem o eixo hipotalâmico- -hipofisário-suprarrenal, o lóbulo parietal inferior e circuitos corticolímbicos pré-frontais.

Prevalência

Sintomas transitórios de despersonalização/desrealização que duram de horas a dias são comuns na população em geral. A prevalência em 12 meses do transtorno de despersonalização/ desrealização é consideravelmente menor do que a de sintomas transitórios, embora estimativas precisas do transtorno não estejam disponíveis. Em termos gerais, aproximadamente metade de todos os adultos já sofreu pelo menos um episódio na vida de despersonalização/desrealização. Entretanto, a sintomatologia que satisfaz plenamente os critérios para transtorno de despersonalização/desrealização é consideravelmente menos comum do que sintomas transitórios. A prevalência durante a vida nos Estados Unidos e em outros países é de cerca de 2% (faixa de 0,8 a 2,8%). A proporção de gênero para o transtorno é de 1:1.

Desenvolvimento e Curso

A média de idade na primeira manifestação do transtorno de despersonalização/desrealização é 16 anos, embora ele possa se manifestar na primeira infância e na infância intermediária. Uma minoria não consegue sequer recordar de ter tido os sintomas. Menos de 20% dos indivíduos sofrem a manifestação inicial depois dos 20 anos de idade, e apenas 5% depois dos 25 anos. O início na quarta década de vida ou posteriormente é bastante incomum. A manifestação inicial pode ser desde extremamente súbita a gradual. A duração dos episódios do transtorno de despersonalização/desrealização pode variar muito, desde breve (horas a dias) até prolongada (semanas, meses ou anos). Considerando-se a raridade da manifestação inicial do transtorno depois dos 40 anos, nesses casos o indivíduo deverá ser examinado mais atentamente quanto à presença de condições clínicas subjacentes (p. ex., lesões cerebrais, transtornos convulsivos, apneia do sono). O curso do transtorno é com frequência persistente. Cerca de um terço dos casos envolve episódios distintos, bem delimitados; outro terço, sintomas contínuos desde o início; e outro terço, ainda, um curso inicialmente episódico que acaba se tornando contínuo.

Enquanto em alguns indivíduos a intensidade dos sintomas pode aumentar e diminuir consideravelmente, outros relatam um nível estável de intensidade que, em casos extremos, pode estar presente de maneira constante por anos ou décadas. Fatores internos e externos que afetam a intensidade dos sintomas variam entre os indivíduos, embora alguns padrões típicos sejam relatados. As exacerbações podem ser desencadeadas por estresse, piora dos sintomas de humor e ansiedade ou ambientes hiperestimulantes e por fatores físicos como iluminação e privação de sono.

Fatores de Risco e Prognóstico

Temperamentais: Indivíduos com transtorno de despersonalização/desrealização são caracterizados por temperamento orientado para a evitação de danos, defesas imaturas e esquemas cognitivos tanto de desconexão quanto de superconexão. Defesas imaturas como idealização/ desvalorização, projeção e atuação resultam em negação da realidade e má adaptação. Esquemas cognitivos de desconexão refletem inibição emocional e vergonha e incluem temas de abuso, negligência e privação. Esquemas de superconexão envolvem prejuízo da autonomia e incluem temas de dependência, vulnerabilidade e incompetência.

Ambientais: Existe associação clara entre o transtorno e traumas interpessoais na infância em uma proporção significativa dos indivíduos, embora tal associação não seja tão prevalente ou extrema na natureza dos traumas quanto em outros transtornos dissociativos, como o transtorno dissociativo de identidade. Abuso e negligência emocionais foram particularmente associados de maneira mais forte e consistente com o transtorno. Outros estressores podem incluir abuso físico; testemunho de violência doméstica; crescer com pai/mãe com doença mental grave; ou morte ou suicídio inesperado de um familiar ou amigo próximo. O abuso sexual é um antecedente bem menos comum, mas pode ser encontrado. Os desencadeantes próximos mais comuns do transtorno são estresse grave (interpessoal, financeiro, profissional), depressão, ansiedade (particularmente ataques de pânico) e uso de drogas ilícitas. Os sintomas podem ser especificamente induzidos por substâncias como tetraidrocanabinol, alucinógenos, quetamina, MDMA (3,4-metilenodioximetanfetamina; ecstasy) e Salvia divinorum. O uso de maconha pode desencadear a manifestação inicial de ataques de pânico e sintomas de despersonalização/desrealização simultaneamente.

Questões Diagnósticas Relativas à Cultura

Experiências de despersonalização/desrealização induzidas voluntariamente podem fazer parte de práticas de meditação prevalentes em muitas religiões e culturas e não devem ser diagnosticadas como um transtorno. Entretanto, existem indivíduos que inicialmente induzem esses estados de maneira intencional, mas com o tempo perdem o controle sobre eles e podem desenvolver medo e aversão por práticas relacionadas.

Consequências Funcionais do Transtorno de Despersonalização/Desrealização

Sintomas do transtorno de despersonalização/desrealização são altamente perturbadores e estão associados a grande morbidade. A conduta afetivamente embotada e robótica que esses indivíduos com frequência demonstram pode aparentar ser incongruente com a dor emocional relatada por aqueles com o transtorno. O prejuízo é comumente sentido tanto nas esferas interpessoais quanto nas esferas profissionais, muito devido à hipoemocionalidade em relação aos outros, à dificuldade subjetiva de concentrar-se e reter informações e à sensação generalizada de desconexão da vida.

Diagnóstico Diferencial

Transtorno de ansiedade de doença: Embora indivíduos com transtorno de despersonalização/desrealização possam apresentar queixas somáticas vagas, bem como temor de dano cerebral permanente, o diagnóstico desse transtorno é caracterizado pela presença de uma constelação de sintomas típicos de despersonalização/desrealização e pela ausência de outras manifestações do transtorno de ansiedade de doença.

Transtorno depressivo maior: Sentimentos de insensibilidade, anestesia, inércia, apatia e de estar em um sonho não são incomuns em episódios depressivos maiores. Entretanto, no transtorno de despersonalização/desrealização, esses sintomas estão associados a outros sintomas do transtorno. Se a despersonalização/desrealização preceder claramente o início de um transtorno depressivo maior ou claramente continuar depois de sua resolução, o diagnóstico de transtorno de despersonalização/desrealização se aplica.

Transtorno obsessivo-compulsivo: Alguns indivíduos com transtorno de despersonalização/ desrealização podem tornar-se excessivamente preocupados com sua experiência subjetiva ou desenvolver rituais de verificação do estado de seus sintomas. Entretanto, outros sintomas de transtorno obsessivo-compulsivo não relacionados a despersonalização/desrealização não estão presentes.

Outros transtornos dissociativos: Para diagnosticar o transtorno de despersonalização/desrealização, os sintomas não deverão ocorrer no contexto de outro transtorno dissociativo, como o transtorno dissociativo de identidade. A diferenciação de amnésia dissociativa e transtorno conversivo (transtorno de sintomas neurológicos funcionais) é mais simples, já que os sintomas desses transtornos não se sobrepõem aos do transtorno de despersonalização/desrealização.

Transtornos de ansiedade: Despersonalização/desrealização é um dos sintomas de ataques de pânico, ocorrendo de forma progressivamente mais comum à medida que a gravidade dos ataques de pânico aumenta. Dessa forma, o transtorno de despersonalização/desrealização não deverá ser diagnosticado quando os sintomas ocorrerem apenas durante ataques de pânico que fazem parte de um transtorno de pânico, de um transtorno de ansiedade social ou de uma fobia específica.

Além disso, não é incomum que sintomas de despersonalização/desrealização surjam primeiro no contexto de um primeiro ataque de pânico ou à medida que o transtorno de pânico progride e piora. Nesses quadros, o diagnóstico de transtorno de despersonalização/desrealização pode ser feito se 1) o componente de despersonalização/desrealização do quadro for muito proeminente desde o início, excedendo nitidamente em duração e intensidade a ocorrência do ataque de pânico; ou 2) a despersonalização/desrealização continuar depois do transtorno de pânico ter cedido ou sido tratado com êxito.

Transtornos psicóticos: A presença de um teste de realidade intacto especificamente com relação aos sintomas de despersonalização/desrealização é essencial para diferenciar esse transtorno de transtornos psicóticos. Em raros casos, a esquizofrenia com sintomas positivos pode representar um desafio diagnóstico quando delírios niilistas estão presentes. Por exemplo, um indivíduo pode relatar que está morto ou que o mundo não é real; isso pode ser tanto uma experiência subjetiva que o indivíduo sabe que não é verdadeira quanto uma convicção delirante.

Transtornos induzidos por substância/medicamento: A despersonalização/desrealização associada aos efeitos fisiológicos de substâncias durante a intoxicação aguda ou durante a abstinência não é diagnosticada como transtorno de despersonalização/desrealização. As substâncias desencadeantes mais comuns são: maconha, alucinógenos, quetamina, ecstasy e Salvia divinorum. Em cerca de 15% de todos os casos de transtorno de despersonalização/desrealização, os sintomas são precipitados pela ingestão dessas substâncias. Se os sintomas persistirem por algum tempo na ausência de uso adicional de substância ou medicamento, o diagnóstico de transtorno de despersonalização/desrealização se aplica. Geralmente é fácil estabelecer esse diagnóstico, já que a grande maioria dos indivíduos com essa apresentação torna-se altamente fóbica e aversa à substância desencadeante e não a usa novamente.

Transtornos mentais devidos a outra condição médica: Alguns aspectos como a manifestação inicial depois dos 40 anos de idade ou a presença de sintomas e curso atípicos sugerem a possibilidade de uma condição médica subjacente. Nesses casos, é essencial conduzir uma avaliação clínica e neurológica completa, que pode incluir exames laboratoriais de rotina, testes virais, eletrencefalograma, testagem vestibular, testagem visual, polissonografia e/ou exame de neuroimagem. Quando for difícil confirmar a suspeita de um transtorno convulsivo subjacente, um eletrencefalograma ambulatorial pode ser indicado; embora a epilepsia do lobo temporal esteja mais comumente implicada, epilepsias do lobo parietal e frontal também podem estar associadas.

Comorbidade

Em uma amostra por conveniência de adultos recrutados para uma série de pesquisas de despersonalização, foi comum a presença de transtorno depressivo unipolar e transtornos de ansiedade comórbidos, com uma proporção significativa da amostra sendo afetada por ambos os transtornos. A comorbidade com transtorno de estresse pós-traumático foi baixa. Os três transtornos da personalidade que mais ocorreram de forma concomitante foram evitativa, borderline e obsessivo-compulsiva.

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